"Conheças todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." Jung

sábado, 13 de agosto de 2011

DEPENDÊNCIA QUÍMICA: CALVÁRIO E LIBERTAÇÃO; O SOL NASCERÁ... - Jorge Bichuetti



Parece que é urgente repensar nossa postura no campo do cuidado da dependência química... Temos sido derrotados; nossas práticas clínicas e sociais no cuidado  pouco conseguem...
Cabe primeiro desdiabolizar e descriminalizar o que é na vida dor, sofrimento... Não cuidamos, nem reabilitamos, se nosso olhar é de quem vê no dependente químico um fracassado, um marginal, um ser que nega a vida e deseja a morte...
Frei Beto afirma que ninguém suporta a normalidade...
Rotelli diz que as drogas são amplificadores da consciência e Deleuze, que são experimentações vitais... e todos concordam que são vivências e experimentações perigosas  por trazerem o perigo de conterem em si uma proximidade experencial e componentes da própria química das drogas que as situam nas margens do abismo. O abismo da repetição compulsiva, do abismo-buraco negro - esvaziamento se sentido da vida e do mundo...
Ambos, já assinalavam um equívoca das nossas intervenções: Deleuze afirma que a subjetiva mudou... e que não funcionamos centrados no afetivo e no mnésico; o psiquismo hoje é agenciado primordialmente pela percepções e nestas um grande valor nas micro-percepções... Rotelli - claramente - grita que necessitamos ser mais sedutores do que o mundo das trocas...
O grande erro é que buscamos, muitas vezes, no cuidado, clínico e social, que as drogas sejam abandonadas e substituídas pelo nosso mundo triste, cinzento, solitário, de desamor e violência... Temos que humildemente buscar Dionísio... para que ele nos auxilie a construir cuidados e políticas públicas onde possamos oferecer caminhos de vida - alegria e sonhos...
Ouso a dizer que pedimos aos nossos jovens que se cuidem.. que abandonem numa árdua luta o inferno da overdose e venha viver a overdose do nosso inferno. Queremos cuidar, mas na luta contra morte vamos descobrindo que oferecemos em troca uma outra morte, a nossa morte da vida cinzenta... Busquemos na alegria a potência da vida para que a vida seja a nossa interlocutora ante os perigos e avanços da maldita morte.
Embora, brevemente, acrescentarei aqui... compreensões necessárias na superação da dor da dependência química...
Freud afirma que a passagem da infância para a vida de adulto passa por um movimento interno de rebeldia onde se mata o pai interno, para que a pessoa assuma o auto-governo de si mesmo... O que nos diz diretamente que indignação, rebeldia e insurgência são canais de entrada no mundo das trocas; porém, igualmente, podem ser manuseados como vias asfaltadas para o grande livramento, para a saída.
Os lacanianos nos auxiliam dizendo que a dependência é mais grave e voraz nos psiquismos, subjetividades que funcionam mobilizados pelo desejo do prazer oceânico, com limites da capacidade de suportar frustrações... Assim, há que se reinventar a subjetividade cunhar gradativamente os mecanismos de auto-controle, de continência na convivência com dores, limitações e derrotas... Precisamos assumir o vida de humanidade que é paradoxal: alegria e dor, amor e rejeição, paciência e cólera, vitórias e derrotas...
Ainda acrescento o texto de Deleuze: A porcelana e o vulcão...
As drogas nos põe numa velocidade e intensidade que se não criamos linhas de vida para dar consistência e voar sobre os abismos, já que tal velocidade e intensidade, nos coloca na fronteira entre a vida, o abismo e para além do abismo, linhas de vida nova, esta energia volta-se e tatua nosso corpo com um destino de morte... a fissura.
O que nos sugere um retorno a Frei Beto.. que dizia que se livrar da dependência era necessário um,a causa, uma paixão, um projeto novo, inovador para vida. Uma causa política, existencial, espiritual, amorosa, artística, uma militância pela vida na alegria de um sonho...
Busquemos o que pode a ternura, a alegria, o amor... cuidemos, nunca nos esquecendo que cuidar é incluir... e incluir a diferença nos obriga a ver nossa vida e nossos caminhos abertos ao devir.

Concurso para psicólogos: CORPO DE BOMBEIROS DE MG

http://www.bombeiros.mg.gov.br/component/content/article/17-noticias/12266-corpo-de-bombeiros-abre-inscricoes-para-83-vagas-de-nivel-medio-e-superior-em-mg.html

O INACEITÁVEL RETROCESSO

http://www.cartacapital.com.br/saude/inaceitavel-retrocesso-no-tratamento-de-dependencia-de-drogas#.TkaraZRNsJA.facebook
Pertencer

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.
Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdôo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!
Clarice Lispector