"Conheças todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana." Jung

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Psicologia: um compromisso social


A Psicologia, antes de se tornar profissão regulamentada, era exercida principalmente por médicos, filósofos e educadores. A Psicologia não está pronta, não esteve sempre na sociedade como um conhecimento necessário; ela se desenvolveu como profissão, conforme a vida social foi exigindo esse tipo de saber e fazer.

Como profissão, a Psicologia veio colaborar com o processo de modernização da sociedade brasileira nas escolas e empresas; adaptar as pessoas, selecionar, categorizar, colocar o homem certo no lugar certo.

Como prática e conhecimento, no princípio, o saber psicológico servia aos interesses da elite, que era quem tinha possibilidade de reconhecê-lo e introduzi-lo.

Com o golpe militar, a relação da Psicologia com a sociedade foi impedida pelo regime de 64. Logo, o Ministério da Educação, mudou o currículo dos cursos instituindo a Psicologia Comunitária. O objetivo era desenvolver técnicas que possibilitassem a penetração em diversos grupos da sociedade, com o intuito de seduzi-los para os interesses do Estado. Rejeitou-se o projeto do governo por ser um instrumento de manipulação de massas.

O fato de a Psicologia brasileira ter nascido sob a ditadura militar, a falta de democracia social, as lutas ocultas nos partidos, nas várias formas de artes e nas academias, talvez tenha formado um bom terreno para que os psicólogos escapassem de um projeto corporativista mesquinho que os mantivesse aliados à elite.

A situação era propícia para o desenvolvimento de um projeto de compromisso social da Psicologia.

[...] Os psicólogos viraram as costas para a realidade social, acreditando poder entender o fenômeno psicológico a partir dele mesmo:as crianças não aprendem na escola porque não se esforçam ou porque têm pais que bebem e mães ausentes; as mães pobres não tratam adequadamente seus filhos porque não conhecem os saberes da Psicologia; as pessoas não melhoram de vida porque não querem; os trabalhadores perdem suas mãos nas máquinas devido à pulsões de morte ou coisa que o valha. Os jovens matam crianças com tiros porque têm natureza violenta ou porque seus pais...(BOCK, 2008).

A Psicologia Comunitária ajuda a entender que, para se compreender o comportamento humano, é necessário ir além do que ocorre no indivíduo isolado, estudando o meio onde ele vive, sua família, comunidade e suas complexas interações sociais, levando em consideração a natureza física, psíquica e social e o entorno econômico, político, histórico e cultural desse sujeito.

É que o humano vai sendo constituído ao longo de sua vida conforme vai coletivamente produzindo suas sobrevivências e sua vida social.

A partir do século XXI, a Psicologia começou a estabelecer uma nova relação com a sociedade. Surge a demanda de referências técnicas para novas práticas profissionais voltadas para as políticas públicas, para um compromisso com a maioria da população e suas urgências, para os desafios da sociedade moderna e para os Direitos Humanos.

Nessa sociedade consumista a tendência é acabar com a faculdade de imaginar do sujeito. Com a homogeneização e normatização dos comportamentos houve um afastamento dos indivíduos em relação às suas próprias questões, tanto de seu campo pessoal quanto de seu campo social. E como sujeito linear, esse homem, sempre ocupado, tem de ser produtivo e estar sempre apto a consumir e a dar respostas. Na velocidade da labuta diária falta às pessoas espaço para criar, fruir, pensar, descansar, contemplar, sentir e refletir.

É urgente que a Psicologia fique atenta ao mal-estar instalado na sociedade contemporânea que precisa ser escutado. Como ciência e profissão, ela está presente no dia a dia da luta por um mundo melhor, no resgate da subjetividade, intervindo em grupos coletivos no sentido de liberar os desejos, as singularizações e os campos de produção de novos territórios existenciais.

Cada vez mais é preciso enfrentar novos desafios teóricos e práticos; romper com tradições, superar velhas concepções e pensar uma Psicologia acessível a todos.

A prática dos nossos psicólogos tem de se adaptar às demandas da realidade social brasileira, contribuindo para a evidência e superação das duras desigualdades sociais do país. Há que se evidenciar para que a sociedade e o poder público “enxerguem” e incrementem ações mais eficazes. Essa prática diferenciada dos profissionais exige esforço, reflexão crítica constante e posicionamento para além da competência técnica.

Que, como psicólogos, tenhamos sempre: discernimento para avaliar o que sentimos, responsabilidade para rever o que fazemos, humildade para reconhecer que não sabemos tudo, e, sobretudo, flexibilidade e criatividade para reformular.

Que sejamos capazes de exercer a Psicologia a serviço da sociedade, a serviço de um mundo melhor, de condições de vida digna, de respeito aos direitos humanos e da construção de políticas públicas que possam oferecer práticas psicológicas sintonizadas com as demandas do nosso tempo.

Angela Maria Amâncio de Ávila

Psicóloga- CRP-04/2683

Texto publicado na coluna PSICOLOGIA do JORNAL O PLANALTO

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